Pesquisa, Desenvolvimento e Extensão


Desde o final de fevereiro, o professor Paulo Esteves, diretor do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC-Rio, onde também é supervisor do BRICS Policy Center, integra o seleto grupo de conselheiros independentes do Economic and Social Council (Ecosoc), da Organização das Nações Unidas (ONU), cuja função é adaptar o sistema de desenvolvimento da ONU para a implementação da Agenda 2030.
A Agenda 2030 corresponde a um conjunto de programas, ações e diretrizes que orientarão os trabalhos das Nações Unidas e de seus países-membros rumo ao desenvolvimento sustentável. Os conselheiros vão elaborar recomendações para os diversos grupos de estados-membros:
— A própria forma de caracterização e agrupamento desses estados também será discutida, uma hipótese é em função da relação entre suas necessidades e capacidades. A dinâmica das ações dos conselheiros está compreendida em um período muito curto. São cinco grupos atuantes e quatro meses para concluir os trabalhos, com relatórios finais a serem entregues em junho, explica o professor.
A nomeação para o grupo de conselheiros, realizada no final de janeiro, levou em conta um equilíbrio regional e de gênero. Como o nome indica, é condição que sejam completamente independentes, inclusive do governo de seus próprios países. Na qualidade de membro do Brics Policy Center, o professor Paulo Esteves já havia participado de duas conferências do Development Cooperation Forum, DCF, ligado ao Ecosoc.
— Fui convidado, enquanto acadêmico, para debater posições no interior da conferência; membros da ONU também tinham vindo participar de eventos no Brics Policy Center, do IRI. Acredito que a relação de confiança mútua deva ter contribuído à minha indicação.
Para a adequação à Agenda 2030, a comissão de conselheiros deve se debruçar sobre os diagnósticos efetuados nos diálogos de 2015, que apontaram cinco principais gargalos no sistema de desenvolvimento da organização. O primeiro diz respeito às funções da ONU.
O sistema de desenvolvimento da ONU desempenha funções diferentes dependendo do país em que está instalado. Por sistema entende-se um conjunto de cerca de 30 instituições, ou ligadas ao Conselho Econômico e Social ou à Assembleia Geral da ONU. Dentro desse conjunto, talvez as mais conhecidas sejam o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Organização das Nações Unidas para a Educação (Unesco).
— O sistema se mostra pouco coordenado, as agências desempenham funções muito heterogêneas dependendo do país: em um país considerado pouco desenvolvido (least developed country), muito provavelmente uma agência da ONU vai oferecer serviços de saúde, educação ou alimentação. A mesma agência em um país mais desenvolvido vai oferecer auxílio à elaboração de políticas públicas ou à sua operacionalização, não vai prestar nenhum serviço direto à população. Mais do que isso: a Agenda 2030 tem um caráter universal, passando a incluir os países ditos desenvolvidos por reconhecer neles uma crescente desigualdade. Portanto, uma das perguntas que se buscará responder é qual o papel do sistema de desenvolvimento da ONU, inclusive nos países desenvolvidos, explica o diretor.
De acordo com Esteves, o segundo gargalo é um problema mais crônico e diz respeito ao financiamento do sistema.
— Hoje, o financiamento se dá, sobretudo, pelas contribuições dos estados-membros, feitas de duas maneiras: na contribuição regular (core), cada país-membro paga a ONU anualmente; na não regular (non core), que corresponde à maioria, um determinado país resolve financiar um determinado projeto junto a algum órgão da organização: por exemplo, o financiamento de um projeto de alimentação junto ao Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) voltado a refugiados sírios na Turquia, esclarece. E prossegue:
— Há uma distinção importante entre os dois casos: quando um país remunera as Nações Unidas regularmente, é o sistema das Nações Unidas, a partir de um debate multilateral, que define as prioridades. Quando um determinado governo decide o que (e com quanto) vai financiar um projeto de alimentação para um campo de refugiados na Turquia, essa decisão é do país doador, via Nações Unidas, o sistema multilateral da ONU não define a prioridade. Além disso, o país doador que resolve contribuir com um programa de alimentação para um campo de refugiados nas fronteiras da Europa pode comprar alimentos de um produtor de seu próprio país, fazendo, portanto, com que os recursos circulem internamente; é o que chamamos de ‘ajuda atada’: o recurso saiu do governo e foi para a iniciativa privada de seu próprio país, para a compra dos víveres.
Segundo Esteves, são práticas totalmente legais e válidas, mas, de certa forma, os casos não regulares criam uma limitação para o estabelecimento de prioridades pelo sistema da ONU.
— Então o problema é mais crônico: como se financia o sistema de desenvolvimento? Quem paga? Como paga? Quanto paga? Como deve ser feita a divisão de recursos entre os países-membros, entre as agências, qual o papel do setor privado no financiamento, qual é a relação das organizações da sociedade civil com esse financiamento do sistema ONU? Essas perguntas hoje não têm resposta. O que se sabe é que há uma tendência de retração dos países desenvolvidos para o financiamento do desenvolvimento, ao mesmo tempo em que se aponta a participação do setor privado – mas a forma de participação do setor privado não está definida. O grupo deve avaliar também o que fazer em relação a esse segundo conjunto, que constitui, provavelmente, o ponto de maior estrangulamento, ressalta.
O terceiro gargalo diz respeito à governança, que tratará, entre outras questões, da forma de participação da iniciativa privada. Também será avaliado se as organizações da sociedade civil, que hoje têm assento como observadoras em alguns fóruns da ONU, poderão passar a ter um papel mais relevante em decisões. “Definir o papel dessas organizações públicas não governamentais e privadas no processo de tomada de decisão de implementação da Agenda 2030 constitui uma grande problemática relativa à governança”, reflete Esteves.
A quarta dimensão é a organizacional. O professor lembra que, quando se trata do sistema das Nações Unidas, está se falando em um conjunto muito grande de agências que não necessariamente sobrevivem das contribuições regulares dos estados-membros; ao contrário, muitas vezes sobrevivem das contribuições não regulares.
— Nessas contribuições pontuais sempre existe uma taxa de administração, que ajuda a manter uma agência em um determinado país. Acontece que, muitas vezes, ao invés de colaboração, isso gera competição entre as agências. Como isso deve ser regulado? Uma agência teria direito a procurar um governo fazendo uma proposta de projeto mais barata ou supostamente mais eficiente do que a outra? Como é possível estabelecer uma coordenação entre 30 agências de um país, cada uma com um interesse e uma agenda específicos? Existe uma resolução de 2006, que se chama Delivery as One, que tenta fortalecer a figura do coordenador residente do sistema, mas essa é uma resolução que deu certo em muitos lugares e não deu certo em outros. É preciso encontrar mecanismos para essa gestão, sublinha.
O quinto elemento diz respeito a como fazer com que a organização tenha mais impacto, a como tornar mais efetiva a sua ação na implementação da Agenda 2030. “A ONU está preparando os indicadores para cada um dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável e para cada um dos targets; no momento, são 231 indicadores e nosso debate será em torno de como fazer com que a organização contribua para que esses objetivos sejam alcançados”, conclui o professor.
O grupo de conselheiros trabalha em paralelo a workshops realizados pelo Conselho Econômico e Social da ONU ao longo deste primeiro semestre. Em março, por exemplo, foi realizado um encontro sobre funções e financiamento, portanto o grupo independente preparou um documento contemplando uma série de propostas para discussão.
Após as discussões, os documentos voltam para os conselheiros, que elaboram novas versões até os relatórios finais de junho.